Literatura em forma de luta
“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada... É tempo de meio
silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na
esquina.”
-CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Quando se fala em resistência cultural à ditadura, é bem provável que
venha à cabeça um conjunto de músicas, filmes e peças de teatro. A
literatura parece ter ocupado um lugar secundário. Ledo engano! A
literatura teve um papel importante entre as artes de resistência.
A literatura era, historicamente, a área de atuação por excelência do
intelectual engajado, que se utilizava de várias formas de escrita
(ensaios, crônicas, contos, romances), para transmitir ideias e intervir
no debate sobre a sociedade e as liberdades públicas. Não foi diferente
no Brasil do regime militar, apesar de outras áreas artísticas como o
teatro, o cinema e a música popular, terem conseguido maior destaque
junto ao grande público. Inclusive, as artes ditas “de espetáculo”
(teatro, cinema e música) se tornaram mais “literárias”, incorporando de
maneira criativa em suas obras mais sofisticadas a tradição da
literatura culta da prosa e da poesia.
A crítica literária dos anos 1970 anunciava a “crise do romance”,
portadora de certa fragmentação da linguagem e do fluxo narrativo que é
própria ao gênero. A crise desse gênero literário seria a expressão da
crise do intelectual como “homem-de-letras”, que tradicionalmente
pensava o mundo como se estivesse fora dele.
As grandes respostas literárias dos anos 1970 à ditadura militar, no
campo da ficção, retomaram a narrativa realista, mas evitando uma visão
onisciente do narrador tradicional, trabalhando-a como se fosse um
documentário cinematográfico. As expressões mais notórias e contundentes
disso foram “Em Câmara Lenta” (de Renato Tapajós) e “A Festa” (de Ivan
Ângelo).
A crítica literária nos anos 1970 produziu importantes revisões
analíticas da história do Brasil a partir do estudo da literatura (prosa
e poesia). Desde os textos clássicos de Antonio Candido, “Dialética da
Malandragem” e “Literatura e Subdesenvolvimento”, passando pelo também
clássico “As ideias fora do lugar”, de Roberto Schwarz, ou “Ser e o
tempo na Poesia”, de Alfredo Bosi, a crítica literária acadêmica
protagonizou um debate intenso e inovador. Esses autores revisaram temas
ligados aos conflitos sociais, ao nacionalismo, ao papel histórico da
ideologia liberal no Brasil, à subjetividade do fato literário e sua
importância para a resistência contra o autoritarismo.
Portanto, a literatura durante o regime militar propiciou uma gama de
“consciências literárias” sobre a experiência histórica, não porque
imitou a realidade nos livros, mas porque, em muitos casos, só a
reflexão propiciada pela ficção, pela imaginação ou pela memória poderia
dar conta de compreender uma realidade política, cultural e social tão
multifacetada e complexa.
http://memoriasdaditadura.org.br
Não aceite provocações!
Evelyn
Equipe Blog do Maurício
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