Literatura de Cordel
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Ninguém sabe com certeza quem escreveu o primeiro
folheto de cordel brasileiro, mas há versos esporádicos em
folhetos da Guerra de Canudos de 1896 (Calasans). Pouco depois o poeta
paraibano Silvino Pirauá Lima publicou seus versos em forma de cordel.
Mas, o primeiro grande nome do cordel brasileiro sendo ainda hoje o mais
conhecido, é Leandro Gomes de Barros. Gomes de Barros escreveu e
publicou suas obras na região de Recife, capital de Pernambuco, desde
fins do século XIX até a sua morte em 1918. (Vale a pena notar
que Leandro Gomes de Barros era do estado da Paraíba, de onde vinha a
maior parte das grandes figuras da poesia folclórica oral, isto
é, dos cantadores de feira do Nordeste). Parece que ele escreveu e
publicou quase mil histórias durante sua carreira de mais de vinte anos
de poeta popular. Várias destas se consideram
«clássicos» do gênero (Cascudo,
Cinco Livros). L. G. de Barros ficou
conhecido especialmente pelo sabor jocoso e satírico de seus versos
sobre a realidade política, econômica e social brasileira. Ao
mesmo tempo ele era criador de maravilhosos
romances tradicionais, quer dizer, poemas
compridos de temática tradicional européia-brasileira.
Logo depois do fim da carreira de Leandro Gomes de Barros na
década de 20, com a fama e visibilidade do cordel sempre em estado de
crescimento, a «carreira» de poeta e editor de cordel se
«profissionalizou». Um dos maiores «empresários»
do cordel foi o paraibano João Martins de Ataíde. Ele publicou em
Recife centenas de títulos que foram vendidos em todo o Nordeste e Norte
do Brasil. Ele foi seguido por outros poetas-editores como José Bernardo
da Silva de Juazeiro (Ceará), Manoel Camilo dos Santos de Guarabira
(Paraíba), João José da Silva de Recife, Manoel D'Almeida
Filho de Aracaju (Sergipe), Cuíca de Santo Amaro e Rodolfo Coelho
Cavalcante de Salvador da Bahia, e muitos outros. Assim, a poesia de cordel se
compunha e publicava em todos os estados do Nordeste brasileiro.
Os anos 70 e 80 trouxeram novas mudanças para o
país e também para os autores, editores e público do
cordel. Os inimigos do povo -a inflação monetária, a
resultante carestia de vida, em fim, a crise econômica do país-
afetaram seriamente esses humildes senhores que escreviam e publicavam seus
versos, também humildes para serem vendidos a um público modesto.
As vendas do cordel caíram de maneira assustadora. O povo já no
tinha recursos para comprar o folheto ou romance de cordel, cada vez mais caro,
e o poeta humilde já no tinha recursos para imprimir suas
histórias em verso. Além disso, a feira semanal nos povoados e
pequenas cidades do interior do Nordeste (o lugar onde o poeta mais vendia seus
versos) se acabava. Mas, houve também outros fatores: o país se
modernizava, as estradas e os meios de transporte se melhoravam de maneira
surpreendente, o rádio de pilha chegava aos rincões mais
longínquos, e, de
repente, o televisor colorido
também! Em fim, o Brasil, e especialmente a parte mais pobre do
país (a maior região do público de cordel), enfrentava a
vida difícil do século XX. De um modo geral, os resultados não foram felizes para
o cordel. O público tradicional sumiu pouco a pouco (por vários
motivos, tanto econômicos como sociais), os mestres do momento
áureo do cordel envelheceram ou morreram, outros por necessidade, foram
obrigados a procurar outros meios de ganhar o pão de cada dia. Como
conseqüência, diminuiu rapidamente. Simultaneamente, um novo
público surgiu nos anos 60, e principalmente na década de 70: os
intelectuais, artistas de vários meios de expressão, estudantes
de classe média, e turistas com uma curiosidade pelo «folclore
brasileiro» (Curran,
Cordel,
Distribution). E com o novo
público, ainda de classe humilde, principalmente de gente modesta,
imigrada a São Paulo e ao Rio -um público já não
homogêneo mas pluralista- o cordel, como é de esperar, tinha que
mudar também. Passou a ser muito popular na feira nordestina da zona
norte do Rio de Janeiro! Um público significante também residia
em São Paulo. A «Meca» do cordel tradicional nordestino, a
cidade do Recife, ficou atrás numa quase total falta de movimento
poético popular. Enquanto ocorria isso, o público tradicional
nordestino, isto é, os compradores de cordel, quase desaparecia. Ainda
pior, o cordel que chegara nos 70 e princípios de 80 a ser algo de moda
para a classe média curiosa do Centro-Sul, já no atraía
como antes. Chegamos, pois, à situação atual. O
cordel continua esporadicamente no Nordeste, mas, os grandes mestres dos anos
60 morreram: José Bernardo da Silva, Manoel Camilo dos Santos,
Cuíca de Santo Amaro e Rodolfo Coelho Cavalcante, José Soares e
outros não menos importantes. Há, certamente, uns poucos de
renome que continuam, especialmente no sul na feira nordestina do Rio. Existe
ainda um público de raízes nordestinas no Rio e em São
Paulo; porém, estes fazem parte dos novos leitores pouco relacionados
à tradição antiga do cordel nordestino. Existe um
interesse significante na xilogravura popular que o pessoal de cordel usa para
ilustrar a capa dos folhetos. E, talvez o mais interessante de tudo, o povo
ainda aprecia os versos de cordel, tanto as estórias tradicionais quanto
a narração de um grande evento político como a
odisséia de Tancredo Neves e a volta da Democracia ao Brasil em 1985
junto à trágica morte de Tancredo no mesmo ano (Curran,
Brazilian Democratic Dream). Mas,
é a totalidade de quase cem anos de existência, anos de
exuberância, de vitalidade, que fazem do cordel um importante aspecto da
vida cultural popular do Brasil.
Qual é, então, o valor do cordel? Se
consultados, os poetas mesmos dizem que expressa a alma do povo, que diverte,
que informa, que ensina ao seu público. Uma vez o escritor
Orígenes Lessa, aficionado do cordel e um dos maiores patrocinadores dos
pobres poetas, disse que estes versos valiam por sua ingenuidade, seu humor,
suas imagens, linguagem, narração clássica, e, vitalidade
literária (1955). Ao considerarmos os vinte e cinco anos de
convivência com os poetas e a poesia de cordel, concordamos com o mestre
Orígenes, e, mantemos ainda hoje, como no passado, que o cordel serve
(embora com um público reduzido e diferente de hoje em dia) muitos
motivos. Em sua totalidade a poesia de cordel é uma das literaturas
populares de mais sucesso e vitalidade no mundo. Contém um
corpus significante da poesia narrativa
tradicional vinda de Portugal (e Espanha), documenta como nenhum outro
fenômeno as crenças, gostos e preocupações de muitos
brasileiros, diverte ao mesmo povo, e, finalmente, informa e interpreta os
grandes acontecimentos da vida local, nacional e até internacional.
E há mais: o cordel serviu e ainda serve de fonte de
inspiração para a «outra» cultura brasileira, ou
seja, a erudita ou culta do Brasil sofisticado. Escritores (de todos os
gêneros, mas especialmente do romance e do drama), pintores, cineastas e
músicos beberam da fonte destes senhores humildes que acreditam haver
nascidos com «o dom do verso», a lista é comprida e
impressionante.
A literatura de cordel existe há cem anos para seu
público original, o
povo do Nordeste do Brasil. Os artistas
sofistica dos apreciam e recriam o cordel nas suas obras para outras classes
sociais para o povo urbano brasileiro. O cordel documenta cem anos de realidade
brasileira. Mas hoje em dia o cordel não é o que era. Os tempos
mudaram. A produção ativa caiu muito e muitos dos poetas
desapareceram. Mas o cordel não pode ser esquecido, porque já se
tornou uma parte íntegra da herança popular
brasileira e do patrimônio nacional. Os bons acervos ficam e na sua
totalidade documentam um século de vida e literatura popular
brasileira.
Evelyn
Equipe Blog do Maurício
Evelyn
Equipe Blog do Maurício
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